Fernanda Nobre

“Aprendi que a monogamia como forma de nos relacionarmos é uma construção cultural. Nos foi ensinado que a monogamia é o “normal”, “natural”, e a gente nem questiona isso. A monogamia é uma construção da propriedade privada, tem muito mais a ver com o capital do que com o amor romântico”

A atriz Fernanda Nobre (38) construiu ao longo dos anos uma bela trajetória nas artes cênicas, começou a atuar ainda menina, fez a sua estreia na TV com 8 anos na novela Despedida de Solteiro, na Rede Globo, em 1992. Já soma 29 anos de carreira tendo ficado eternizada na pele de muitas personagens, entre elas a vilã Bia, em Malhação (Globo), a mocinha Helena em Escrava Isaura (Record), Janice em Prova de Amor (Record), além de ter feito enorme sucesso protagonizando a série Copa Hotel da GNT. Foi também indicada a Melhor Atriz pelo Prêmio Shell 2016 por sua atuação no espetáculo sobre violência feminina, O Corpo da Mulher como Campo de Batalha, com texto de Matei Visniec. Aliás feminismo é um tema em que a atriz faz questão de se posicionar, tanto é que vive um casamento não monogâmico com o dramaturgo José Roberto Jardim e explica, em seu ponto de vista, que as causas para vivermos em uma sociedade monogâmica tem origem histórica nas desigualdades de gênero.
“Já até falei isso que há centenas de anos os homens, para garantirem que seu dinheiro estava indo para seus verdadeiros herdeiros, impossibilitaram suas mulheres de terem relações com outros homens. Só que essa impossibilidade ficou só para as mulheres, né? Porque, na verdade, existe uma certa permissividade na sociedade para que os homens não sejam fiéis às suas mulheres. Esses homens há centenas de anos até hoje, exercem a sexualidade deles, os desejos deles e nós não”, ponderou Fernanda. Confira a entrevista na íntegra.

Expressão: Está se preparando para integrar o elenco de “Um Lugar Ao Sol” (Globo), onde dará vida a Maria Fernanda, ex-namorada de um dos gêmeos interpretados por Cauã Reymond. Conte para a gente um pouco mais sobre sua personagem?
Fernanda Nobre: Maria Fernanda é uma mulher livre que morava em Paris quando teve um caso com Renato (Cauã Reymond), um dos gêmeos. Ela volta para reivindicar a paternidade do seu filho. Vai causar um atrito no relacionamento dele com a Rebeca (Aline Moraes).

“A grande diferença entre relações em que homens e mulheres traem na hipocrisia e relações abertas não é uma “autorização” para se fazer tudo apenas atendendo ao seu desejo e impulso. A diferença está na busca dos dois envolvidos manterem um diálogo franco e honesto. Essa é a única forma que acredito de se estabelecer uma verdadeira parceria num relacionamento amoroso”

Expr.: Fez sua estreia na TV aos oito anos na novela “Despedida de Solteiro” (Globo), em 1992. Hoje já soma 29 anos de carreira, qual balanço faz da profissão?
F.N.: Até eu me assusto com a quantidade de anos! Como eu comecei com 8 anos e nunca tive uma pausa nos trabalhos desde então, a profissão de atriz diz quem sou. Eu me formei como criança, adolescente, uma jovem adulta e agora uma mulher nos estúdios e nos palcos. Minha existência está completamente relacionada com o meu oficio. Me sinto viva trabalhando. A arte move a minha vida. Eu busco fazer da minha existência uma expressão artística.

Expr.: Atuou no grande sucesso “Escrava Isaura” (Record TV) como Helena. Como foi participar de algo tão marcante na teledramaturgia brasileira?
F.N.: Essa novela foi uma aventura deliciosa na minha vida profissional. Depois de Malhação, em 2004, recebi o convite para inaugurar a teledramaturgia na Record com a liderança do Herval Rossano, que foi um dos maiores diretores da televisão brasileira. Me mudei para São Paulo e chegamos nos estúdios da Record que ainda estavam despreparados para a produção pesada de uma novela. Mas até o despreparo era especial naquele momento porque éramos muito unidos, parecíamos uma cia de teatro, todos os atores do Rio de Janeiro moravam num mesmo flat, trabalhávamos o dia inteiro, almoçávamos e jantávamos juntos com os diretores artísticos da empresa. A empresa naquela época era muito horizontal, mesmo eu sendo uma garota de 21 anos eu tinha voz artística nos planos da empresa, em dramaturgia e novas etapas – tudo isso me fascinou, um novo mundo de possibilidades se abriu para mim. No fim desta novela assinei meu primeiro contrato longo com a Record que estava fazendo seu primeiro banco de elenco que só tinha 5 atores, incluindo eu! Tudo aquilo era muito emocionante, eu acreditava que estava fazendo história.
A novela Escrava Isaura foi importantíssima para o mercado e fez com que o mercado aquecesse. Com o sucesso dessa novela a Record ganhou fôlego para contratação de milhares de pessoas em diversas áreas. Tenho lembranças muito especiais dessa época!

Expr.: Protagonizou a série “Copa Hotel” (GNT). O que achou da experiência de atuar em uma série? Há outras produções em vista?
F.N.: Copa Hotel está entre os três trabalhos que mais amei fazer no audiovisual! A personagem, Antônia, foi um deleite e representou muito o momento que eu estava vivendo naquela época, ela tinha muito de mim. A série agora está reprisando no Canal Brasil e eu estou louca para assistir de novo!

Expr.: Interpretou a forte e solitária Diana em “Deus Salve o Rei”, como foi atuar em uma novela de época medieval?
F.N.: Eu sou completamente fanática nessa época, amo filme histórico da época dos antigos reinados, li tudo que você pode imaginar sobre o reinado Tudor. Acho que eu acabei chamando esse trabalho para mim. Diana foi uma personagem interessantíssima, dúbia, nada maniqueísta, cheia de caminhos para eu como atriz escolher. Sem falar dos grandes amigos que fiz nessa novela e trago até hoje para meu dia a dia.

Expr.: Vamos falar de relacionamento? Recentemente assumiu relacionamento aberto com o atual marido, o diretor teatral, José Roberto Jardim. Como foi desmembrar todo um preceito de relacionamento monogâmico? Se sentiu livre? Como seu companheiro lida com a situação?
F.N.: Eu trouxe luz aos meus estudos sobre a evolução da mulher na sociedade e dividi porque aprendi que a monogamia como forma de nos relacionarmos é uma construção cultural. Nos foi ensinado que a monogamia é o “normal”, “natural”, e a gente nem questiona isso. A monogamia é uma construção da propriedade privada, tem muito mais a ver com o capital do que com o amor romântico. Já até falei isso que há centenas de anos os homens, para garantirem que seu dinheiro estava indo para seus verdadeiros herdeiros, impossibilitaram suas mulheres de terem relações com outros homens. Só que essa impossibilidade ficou só para as mulheres, né? Porque, na verdade, existe uma certa permissividade na sociedade para que os homens não sejam fiéis às suas mulheres. Esses homens há centenas de anos até hoje, exercem a sexualidade deles, os desejos deles e nós não.
Esse é o meu posicionamento político, a busca pela equidade de liberdade, é a minha escolha feminina. Isso não quer dizer que a minha vida é uma festa, que tudo é liberado. Muito pelo contrário. Sou uma mulher extremamente romântica e tudo é em prol da minha liberdade e também da minha parceria com o meu companheiro. A nossa busca é pela lealdade e por uma relação extremamente honesta.
A grande diferença entre relações em que homens e mulheres traem na hipocrisia e relações abertas não é uma “autorização” para se fazer tudo apenas atendendo ao seu desejo e impulso. A diferença está na busca dos dois envolvidos manterem um diálogo franco e honesto. Essa é a única forma que acredito de se estabelecer uma verdadeira parceria em um relacionamento amoroso.

Expr.: O assunto é: Boa Forma! Quais os segredos para manter o corpão e como lida com os padrões estéticos?
F.N.: Não vou ser hipócrita estou ainda no processo da desconstrução do que é imposto para nós como o “ideal” de beleza. Eu sou instrumento dessa engrenagem, eu ajudo a essa engrenagem a rodar e eu não ajudo porque eu sou uma atriz conhecida, e sim, porque eu sou mulher assim como a mulher que está lendo essa entrevista agora. Você também é instrumento dessa engrenagem. Essa opressão só vai mudar quando nós, eu e você, não dermos mais voz, tempo e dinheiro para ela. É difícil, ainda não consegui, mas estou tentando.

“Eu sou instrumento dessa engrenagem, eu ajudo a essa engrenagem a rodar e eu não ajudo porque eu sou uma atriz conhecida, e sim, porque eu sou mulher assim como a mulher que está lendo essa entrevista agora.”

Expr.: Como foi passar pela pandemia? Como fez para manter o bem-estar e saúde psicológica nesse período?
F.N.: Não foi fácil para ninguém, a gente teve que lidar com os nossos monstros, inseguranças sobre o nosso amanhã e a morte batendo e assombrando na nossa porta.
Apesar de eu ter vivido grandes angustias e crises de ansiedade, que nunca tinha vivido antes, eu não posso reclamar, sou uma privilegiada. Tinha comida na geladeira, uma casa confortável para o isolamento, dinheiro guardado na conta e um parceiro extremamente amoroso e companheiro. Perdi pessoas próximas para o Covid, mas meu núcleo rígido se manteve com saúde.

Expr.: Fora a nova novela das 21h, há outros projetos em vista?
F.N.: Em maio volto para os palcos com o meu espetáculo, A Desumanização, que é a adaptação do livro do Valter Hugo Mae. Estreamos essa peça em SP em 2019, foi um grande sucesso de público e críticas, rendeu várias indicações a prêmios. Cancelamos as viagens por causa dos acontecimentos de 2020 e agora voltaremos com 40% da capacidade do público e com todos os cuidados para segurança de todos. Sou completamente apaixonada por essa peça e estou muito feliz de voltar aos palcos no Rio de janeiro.